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Confissões de um incréu

O que pretendo dizer-vos sobre este tema necessita de uma introdução de caráter pessoal.

Nasci numa zona rural, de uma família fervorosamente católica.

A recitação diária do terço, a missa dominical, as grandes festas religiosas como do natal e da páscoa, eram momentos rigorosamente vividos.

Cumpri até aos 10 anos todos estes e outros ritos que me eram impostos.

Aos Domingos, dos mais novos aos mais velhos, todos iam à missa, percorrendo para tanto os 4km que nos separavam da igreja, onde o padre Fernando nos falava do céu e do inferno. E para melhor identificarmos o manfarrico ele tinha a sua figura esculpida sobre a porta principal da igreja, negro com rabo de macaco, a ser dominado pelo São Miguel, padroeiro da freguesia.

Pelas festas vinham pregadores, de oratória inflamada, falar-nos da vida para além da vida e por toda a eternidade que poderia ser junto de Deus ou nas lavaredas ateadas pelo demo.

Aos 10 anos passei a frequentar o liceu, a 50km da família e entregue aos cuidados numa casa de hóspedes.

Aí começou a minha rebeldia e até aos 14 anos afastei-me progressivamente do cumprimento dos deveres religiosos.

Porém, quando dei por mim, com 15 anos de idade, já frequentava com assiduidade a Igreja dos Terceiros (de Viseu) paroquiada pelo Cónego Freire que passei a acolitar e a ajudar na missa, sempre que podia.

Tornei-me um católico cumpridor por vontade livre e sem qualquer imposição.

O meu pai já tinha falecido e a minha mãe exultava com este comportamento do filho único.

Um ano após e já no sexto ano do liceu, tive como professora a Dra. Alice Queimado, uma bondosa senhora, que teve o grande mérito ou responsabilidade de nos deixar discutir tudo livremente sobre os vários temas que o pograma nos propunha. Um deles era a prova da existência de Deus.

As provas da existência de Deus resumiam-se:

  • à criação do mundo e do universo

  • à origem da vida

Efetivamente o grande argumento era de que nada podia explicar tais maravilhas que só podiam ter sido criadas por Deus.

Recordo-me perfeitamente que, com a ingenuidade de crente, formulei à professora a seguinte conclusão: “Então se foi Deus que criou tais maravilhas é porque Deus tinha poderes para as realizar.”

E a minha interrogação subiu de nível e formulei a seguinte pergunta: “e quem criou Deus?”

A bondosa professora manifestou um grande embaraço e respondeu mais ou menos da mesma forma que nos falam os mestres da teologia e que nos ensinam que Deus não foi criado, mas gerado.

Porém gerado ou criado é exatamente a mesma coisa, com formas semânticas diferentes, podendo talvez e quanto muito significar formas de gestação diferentes.

Mas nas minhas cogitações não conseguia explicação para a criação de Deus, ou seja, quem teria criado um ser tão sublime e tão poderoso.

E se tal ser criador de Deus existe quem foi então o seu criador?

E esta pergunta pode repetir-se indefinidamente.

São Deuses criadores de outros.

São Deuses a mais!

Não terá sido o Homem criador de Deus?


Continuaremos a conversar dentro de dias.

Zérrio


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